Mario Drumond

Josué de Castro com 21 anos em sua formatura, 1929
“Vivemos hoje uma hora decisiva para a humanidade: a da luta entre o pão e o ouro, simbolizando o pão a tranquilidade e a segurança para todos e o ouro a especulação, a competição e a guerra. E não podemos hesitar na escolha do caminho. Ou salvamos o mundo dando pão aos que têm fome ou pereceremos todos sob o peso esmagador do ouro acumulado à custa da fome e da miséria de dois terços dos nossos semelhantes.”
Replica-se acima uma expressão do pensamento crítico nacional e humanista cuja vigência e contundência faz parecer ter sido escrito ontem e que merece ser inscrita no totem de combate da liberdade, luta esta em que o América do Sol se engaja no propósito de contribuir com o seu grão de areia. Mas foi escrita e publicada em 1957, como fecho da segunda edição de Geopolítica da Fome, obra maestra do genial Josué de Castro (1), onde praticamente esgota tema tão importante quanto inexplorado: um autêntico tabu, uma região maldita da realidade brasileira e mundial onde ninguém até então ousava penetrar a fundo.
No mesmo espírito de Josué e de Oswald abrimos a segunda edição deste inovador projeto editorial: enfrentando tabus e (pré)conceitos.
Um desses (pré)conceitos mais difundidos (e difusos), a “liberdade de expressão” ou, também, a “liberdade de imprensa”, tanto faz, é agora exaltado e “defendido” por correntes de “pensamento” as mais conflitantes, mas igualmente hipócritas, das tais “progressistas” até as mais reacionárias, ao ponto de se tornar lugar-comum.
Aqui no América do Sol nós não estamos nem aí para a “liberdade de imprensa” ou “de expressão”, porque não passa de uma falácia.
Parafraseando o estilo literário da obra de Marx, quando ouvimos falar em “liberdade de imprensa”, retrucamos que o que nos interessa mesmo é a imprensa da liberdade, ou a expressão da liberdade, pela qual lutamos e que consideramos tão importante para a humanidade como o ar que respiramos.
Nela reside a nossa afinidade com a Hora do Povo, hoje um dos pouquíssimos veículos da imprensa da liberdade publicados em português brasileiro e que, como tal, deve ser lido linha por linha, edição a edição. A imprensa da liberdade é a única capaz de nutrir a consciência crítica do leitor na observação e análise inteligente e inteligível da realidade. Em particular, da realidade brasileira.
Ao contrário do que em geral se pensa, Marx entendia e defendia sua obra não como obra de rigor científico ou acadêmica (termos que desprezava), mas como “um todo artístico” (2), por suas mesmas palavras. Ele considerava a arte numa categoria da expressão do pensamento superior à ciência, ainda quando a contivesse, e cria que sua obra se elevava até ela, sem que, por isto, alimentasse pretensões de artista.
Chegamos assim ao tema desta edição, ironicamente vislumbrado pelo oportunismo cristão e neófito de Caminha, que grafou a primeira obra de escritura da nossa língua materna em solo brasileiro, e sabiamente provocado pelo ovo-semente que brotou da fértil expressão plástica (da liberdade) de Fernando Tavares: a agricultura.
E o maior tabu a ela relacionado, muito mais quando artisticamente estruturado em bases marxistas, oswaldianas, josuelanas e getulistas: a reforma agrária.
A agricultura e a reforma agrária são sinônimas no Brasil moderno, não existirá a primeira, pelo menos em seu sentido humano, libertário e civilizatório, sem que haja a outra. Ambas perfazem a arquitetônica (totem) que propomos nesta edição para contribuir no fortalecimento do combate da liberdade contra o imperialismo, contradição principal da nossa realidade desde os primórdios da nacionalidade.
- (1) Josué de Castro; Geopolítica da Fome, Brasiliense, São Paulo, 1957.
- (2) Ludovico Silva; O Estilo Literário de Marx; Expressão Popular, São Paulo, 2012.